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O financiamento do PNE (2024-2034): a passos de caranguejo.

Manifestação pública da Fineduca sobre o PL (2614/2024) encaminhado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) manifesta-se sobre o Projeto de Lei (PL) que “Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2024-2034”, o PL 2614/2024. Este será o terceiro Plano Nacional de Educação (PNE) pós-constituição de 1988.

Em primeiro lugar, causa perplexidade o fato de o PL ignorar de forma cabal o documento da Conae realizada de 28 a 30 de janeiro de 2024 que envolveu etapas municipais e estaduais e foi fruto do trabalho de milhares de pessoas, envolvendo, dentre outros, trabalhadores/as da educação, pais, estudantes, especialistas e pesquisadores da área.

Estamos no terceiro plano nacional de educação do período pós-ditadura. O primeiro, o PNE (2011-2011), teve suas metas descumpridas em virtude do veto de FHC à meta que estabelecia um volume de recursos equivalentes a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação pública. O segundo, PNE (2014-2024), pelo não cumprimento por parte do Executivo da meta 20 que estabeleceu atingir o equivalente a 7% do PIB, em 2019 e 10% do PIB neste ano de 2024. No período, segundo os dados do próprio INEP o gasto público em educação pública oscilou em torno dos 5% do PIB. A proposta que consta do PL 2614/2024 é de que, novamente, se alcance no final do decênio o equivalente a 10% do PIB. Há, portanto, que se perguntar: e agora, é para valer?

Esta pergunta se justifica pelos indícios presentes em diversos pontos do PL 2614/2024 relativos ao financiamento da educação, em seu item 18, “Financiamento e infraestrutura da Educação Básica” e objetivo 18, “Assegurar a qualidade e a equidade nas condições de oferta da educação básica”, em que são apresentadas 4 metas relativas a esses item e objetivo. Vamos à análise:

1) A meta 18.a relacionada ao financiamento estabelece: “Ampliar o investimento público em educação, de modo a atingir o equivalente a 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB até o sexto ano de vigência deste PNE, e 10% (dez por cento) do PIB até o final do decênio, em consonância com o que estabelece o art. 214, caput, inciso VI, da Constituição.”

Verifica-se, em primeiro lugar, a contradição entre a política de austeridade proposta pelo Governo Federal e aprovada pelo Congresso Nacional que estabeleceu limites ao conjunto das despesas primárias da União e, em segundo lugar, o fato da meta intermediária de 7% somente ser atendida faltando 3 anos para o término do plano, o que deixaria 3 pontos percentuais para serem implementados nesse curto período. Trata-se, portanto, de um passo para trás, pois lança-se para 2034 uma meta que deveria ter sido cumprida em 2024 nos termos da lei que ainda está em vigor, uma vez que a vigência do atual PNE foi estendida para 2025.

A Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a meta 18.a, baseada nas deliberações da Conae 2024:

Ampliar o volume de recursos públicos aplicados exclusivamente na educação pública, com a ampliação de, ao menos 0,5% do PIB ao ano, de modo a atingir, no mínimo, o equivalente a 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB até o quarto ano de vigência deste PNE, 8% (nove por cento) no oitavo ano e, no mínimo, 10% (dez por cento) do PIB até o final do decênio, em consonância com o que estabelece o art. 214, caput, inciso VI, da Constituição.

2) A meta 18.b estabelece: “Alcançar o investimento por aluno em educação básica como percentual do PIB per capita equivalente à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE até o quinto ano de vigência deste PNE, e o equivalente ao Custo Aluno Qualidade – CAQ, previsto no art. 211, § 7º, da Constituição, até o final do decênio.”

Esta meta seria totalmente desnecessária se o objetivo fosse, realmente o de cumprir a meta anterior, pois o cumprimento da primeira parte desta segunda meta, por si só, não implicaria em elevar, na medida necessária, os valores aplicados por estudante da educação básica em suas etapas e modalidades. Basta dizer que, na média, o país já gasta valores próximos ao estabelecido, em virtude de nosso baixo PIB por habitante. Trata-se, na verdade de uma ‘fake’ meta, com o perdão do anglicismo. Média para um país com a desigualdade do Brasil não diz nada, o que a nação precisa é de um gasto mínimo por aluno, que deveria ter sido implantado desde 2001, nos termos da EC 14/1996. O que realmente interessa, que é aplicar imediatamente os valores obtidos por uma metodologia que estabeleça um padrão nacional mínimo de qualidade inicial, o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), não é nem mesmo considerado na proposta do PL, e o Custo Aluno Qualidade (CAQ), como estabelece o art. 221, § 7º, da Constituição, só ficou previsto para o final do decênio, ou seja, rasga-se, mais uma vez, este princípio constitucional tão duramente conquistado pela nação brasileira.

Desta feita, cumprindo-se a primeira parte desta meta, corre-se o risco de, imediatamente, divulgar-se que o Brasil já aplica, por estudante, percentuais de recursos financeiros equivalentes aos dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), considerando-se a renda per capita, o que daria a errônea impressão de que os valores por estudantes teriam se elevado aos patamares dos países membros dessa organização, o que não é verdade.

O “Documento de Diagnóstico da Educação Nacional (Versão Preliminar)” divulgado pelo MEC mostra que o Brasil aplica por estudante o equivalente a 20,7% do PIB per capita, enquanto a média da OCDE é de 23,7%, apenas uma diferença de 3 pontos percentuais, mas quando se examina o valor aplicado por estudantes a diferença é muito grande. Enquanto a média no Brasil é de US$-PPC 3.105,12 por estudante, nos países da OCDE ela é de US$-PPC 10.970,87. O gasto por aluno é o valor que importa, pois eles é que determinam salários de professores, funcionários, infraestrutura, condições concretas para o desenvolvimento das atividades educativas etc.

A Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a meta 18.b, baseada nas deliberações da Conae 2024:

Implantar o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) no prazo de um ano da vigência do novo PNE, referenciado no conjunto de parâmetros mínimos estabelecidos na legislação educacional, e aproximar o valor do recurso aplicado por aluno, medido em US$ PPC, em educação básica da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE até o quinto ano de vigência deste PNE, com a implementação do Custo Aluno Qualidade – CAQ, previsto no art. 211, § 7º, da Constituição, até o final do decênio.

3) A meta 18.c “Equalizar a capacidade de financiamento da educação básica entre os entes federativos, com base no CAQ, tendo como referência o padrão nacional de qualidade, conforme previsto no art. 211, § 7º, da Constituição.”

A formulação apresentada não observa os termos constitucionais relativos a “padrão mínimo de qualidade” como estabelece o art. 211, § 7º, da Constituição: “§ 7º O padrão mínimo de qualidade de que trata o § 1º deste artigo considerará as condições adequadas de oferta e terá como referência o Custo Aluno Qualidade (CAQ), pactuados em regime de colaboração na forma disposta em lei complementar, conforme o parágrafo único do art. 23 desta Constituição”. A LDB, desde 1996, estabelece em seu artigo…4º que “O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (..) IX – padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

A Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a meta 18.c, baseada nas deliberações da Conae 2024 e nos termos do art. 211, § 7º, da Constituição:

Equalizar a capacidade de financiamento da educação básica entre os entes federativos tendo como referência o padrão nacional mínimo de qualidade que considerará as condições adequadas de oferta, tendo como referência o Custo Aluno Qualidade (CAQ), conforme previsto no art. 211, § 7º, da Constituição.

4) A meta 18.d “Reduzir as desigualdades nas condições de oferta da infraestrutura escolar, de modo a atender ao padrão nacional de qualidade pactuado na forma prevista no art. 211, § 7º, da Constituição”.

Essa formulação não concretiza em que termos o padrão de qualidade deve ser estabelecido e a Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a meta 18.d, baseada nas deliberações da Conae 2024 e nos termos do art. 211, § 7º, da Constituição:

Reduzir continuamente as desigualdades nas condições de oferta da infraestrutura escolar, de modo a atender ao padrão nacional mínimo de qualidade pactuado na forma prevista no art. 211, § 7º, da Constituição, realizando, por meio da União, a complementação de recursos financeiros a todos os estados, ao Distrito Federal e aos municípios que não conseguirem atingir os valores do CAQi e, posteriormente, do CAQ, para cada etapa, tipo de instituição educativa pública, jornada e modalidade, assegurando o respeito e a valorização das diversidades e distintas realidades dos sistemas e redes de ensino públicos.

 Além disto, o conteúdo do PL ignora o financiamento da Educação Superior, o que fica explicitado nos próprios títulos do item 18 e do objetivo 18, ao não fazerem referência ao financiamento desse nível educacional.

A proposta de PL é lacônica em relação às fontes de recursos financeiros para se atingir o montante equivalente a 10% do PIB. Fala-se de forma genérica sobre essa necessidade: 

a) Estratégia 18.7 “Vincular a receita resultante de impostos e contribuições ao investimento em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Público – MDE e buscar novas fontes de financiamento.”

A Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a Estratégia 18.7, baseada nas deliberações da Conae 2024:

Aumentar o volume de recursos aplicados em educação pública pela União, ampliando a vinculação de 18% para, no mínimo, 25% e vincular a receita resultante de impostos e contribuições aos recursos aplicados em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Público – MDE e buscar novas fontes de financiamento como a taxação das casas de apostas, bets onlines e atividades afins, a reestruturação do volume de recursos públicos aplicados no setor privado educacional, zerando o aporte de recursos públicos até o último ano de vigência do Plano, bem como vedar, na forma da Lei, qualquer forma de contingenciamento de recursos na área educacional, e garantir a reposição de eventuais perdas resultantes de políticas de renúncia fiscal nos âmbitos federal, estaduais, distrital e municipais, além de excluir, de qualquer política de austeridade dos governos e entes federados, todos os recursos aplicados em educação.

b) Estratégia 18.8 “Vincular parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural à MDE.”;

A Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a Estratégia 18.8, baseada nas deliberações da Conae 2024:

Vincular parcela dos recursos financeiros da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica e dos royalties de Itaipu, dos recursos da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, além daqueles já vinculados ao Fundo Social do Pré-Sal, e os recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral, à MDE.

c) Estratégia 18.9 “Criar um plano decenal de investimento em infraestrutura educacional, em regime de corresponsabilidade entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que considere recursos orçamentários, incentivos fiscais, crédito de bancos de desenvolvimento e fontes alternativas de recursos para despesas de capital.”

A Fineduca defenderá no Congresso Nacional a aprovação da seguinte redação para a Estratégia 18.9, baseada nas deliberações da Conae 2024:

Criar um plano decenal de investimento em infraestrutura educacional, em regime de corresponsabilidade entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que considere recursos orçamentários, incentivos fiscais, crédito de bancos de desenvolvimento e fontes alternativas de recursos para despesas de capital, obtidas das seguintes ações: a) elevação dos tributos, sobretudo aqueles com características mais progressivas, a patamares equivalentes às dos países que já atingiram maior qualidade educacional; b) eliminação de parte das renúncias de receitas de impostos; c) montante dos recursos financeiros recuperados na cobrança de dívida ativa da União; d) limitação do pagamento de juros, encargos e amortização da dívida pública a um valor equivalente a 70% da média paga nos últimos cinco anos, realizando a renegociação dos 30% restantes do ano vigente, com alongamento dos prazos de pagamento.

Um PNE para valer não atingirá seus objetivos se não estiverem muito bem estabelecidas as fontes dos recursos financeiros. O desejo do povo brasileiro de uma educação pública de qualidade não pode ser mais uma vez frustrado com propostas protelatórias, a passos de caranguejo.

Conclamamos a todos/as os/as associados/as da Fineduca a externarem o apoio a essas posições em suas participações em eventos acadêmicos e políticos, audiências públicas, entrevistas e textos científicos, para que seja possível uma forte atuação no Congresso Nacional, visando aprovar as emendas propostas pelas entidades do campo educacional ao PL 2614/2024, para que o Brasil possua, agora, um PNE para valer!

 

Fineduca, 7 de agosto de 2024