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Ajuste fiscal com recurso do Fundeb é retrocesso!

Manifestação pública da Fineduca em repúdio à mudança na complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) proposta na PEC nº 45/2024[1]

Manifestação pública da Fineduca em repúdio à mudança na complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) proposta na PEC nº 45/20241

O Fundeb de caráter permanente foi aprovado pela Emenda à Constituição (EC) nº 108, promulgada em agosto de 2020, e resultou de um processo de quase cinco anos de debates no Congresso Nacional, nos quais se envolveram atores de todos os níveis de governo e da sociedade civil.

Os fundamentos básicos do Fundeb são: o caráter redistributivo, a contribuição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino e à valorização dos profissionais da educação. Sua implantação iniciou em 2021 e a complementação da União tem sido gradativa, devendo atingir 23% dos recursos totais dos fundos estaduais em 2026, estes constituídos por recursos financeiros dos próprios estados e seus municípios.

Um dos pontos mais debatidos na formulação do Fundeb permanente foi a Complementação da União, sua proporção e suas modalidades. Foram aprovadas três modalidades de complementação: pelo Valor Aluno dos Fundos (VAAF), de 10 pontos percentuais; pelo Valor Aluno Total (VAAT), de no mínimo 10,5 pontos percentuais; de 2,5 pontos percentuais “nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica” que ficou conhecida, indevidamente, por VAAR. Nota-se, portanto, que a totalidade dos 23% da complementação da União seriam integralmente repassados a estados e municípios nas proporcionalidades estabelecidas.

Com exceção da Complementação VAAF, implantada em 2021 com a proporção de 10% dos recursos dos fundos estaduais e distrital, as outras duas tem implantação gradativa e devem atingir o total em 2026. Cada qual possui critérios que buscam enfrentar desigualdades na capacidade de financiamento de estados e municípios ou reconhecer esforços de redução de desigualdades socioeconômicas e raciais na educação.

Eis que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2024, conhecida por propor mais um ajuste fiscal – nos marcos do regime fiscal sustentável de 2023 (chamado de novo arcabouço fiscal, Lei Complementar nº 200/2023, que mais uma vez só implementou condições de austeridade para as despesas primárias, deixando as despesas financeiras sem nenhum constrangimento) –, inclui proposição que permite destinar até 20% da Complementação ao Fundeb exclusivamente para fomentar a educação em tempo integral. Nos termos da PEC nº 45/2024:

XIV – da complementação de que trata o inciso V, até 20% (vinte por cento) dos valores poderão ser repassados pela União para ações de fomento à criação e à manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública, levando em conta indicadores de qualidade e eficiência do investimento público em educação, mantida a classificação orçamentária do repasse como Fundeb, não se aplicando, para fins deste inciso, os critérios de que trata o inciso V, alíneas “a” [Complementação VAAF], “b” [Complementação VAAT] e “c” [Complementação indevidamente chamada VAAR].

Ou seja, a Complementação da União ao Fundeb, nas modalidades atuais, poderia ser reduzida em 20%. Caso esta regra estivesse vigente em 2024 (quando a Complementação está fixada em 19% dos recursos subnacionais), de um total previsto de R$ 47,81 bilhões haveria autorização para realocação de R$ 9,56 bilhões para fomentar a educação em tempo integral. Tendo em conta somente as modalidades VAAF e VAAT, cujos valores mínimos por aluno dependem da própria distribuição da complementação da União, pode-se apontar como efeitos mais nefastos, além da diminuição em si dos valores de transferência federal:

  • No caso do VAAF, redução do VAAF mínimo nacional, com efeito negativo na atualização anual do Piso Salarial Nacional do Magistério (PSPN);
  • No caso do VAAT, redução do número de municípios que recebem esta complementação – a estimativa mais atual é de que 2.224 municípios recebam a Complementação VAAT em 2024 – e se ela fosse menor, atingiria mais os municípios dos estados que não são beneficiários da complementação VAAF, justamente os que passaram a contar com recursos quando da implantação do modelo híbrido;
  • Imposição de mudanças nas peças orçamentárias e de planejamento dos estados e municípios, já orientadas, na perspetiva plurianual, para abrigar as estimativas de complementação em implantação.

Cabe pontuar que a Educação Básica em tempo integral já é valorizada no âmbito do Fundeb, uma vez que as matrículas do atendimento em tempo integral possuem uma ponderação relativamente mais elevada e há margem para que as ponderações do tempo integral nas diferentes etapas e modalidades possa ser ainda maior. Defendemos, sim, a ampliação do número de estudantes e do número de escolas que ofertam educação em tempo integral, consoante ao Plano Nacional de Educação. O problema que se coloca, porém, não é este e sim o uso direto de parte da Complementação da União ao Fundeb para a expansão da educação em tempo integral, sob critérios e condições estabelecidas pelo governo federal, o que, inclusive, contraria a autonomia dos entes federados. Se a União pretende valorizar a educação em tempo integral, que coloque mais recursos por fora do Fundeb, como até o nefasto governo anterior fez.

A proposição da PEC representa a inserção da assistência financeira da União na educação básica no corte de gastos do ajuste fiscal. A Lei nº 14.640/2023 criou o Programa Escola de Tempo Integral e prevê a transferência de recursos federais para a criação de matrículas em tempo integral. Como a intenção do Poder Executivo é a de não alocar recursos específicos para este Programa nos próximos anos, propõe colocar a mão na Complementação ao Fundeb, o que se caracteriza como um retrocesso para a educação brasileira. Com essa proposição, o MEC contribui com o corte de gastos demandado pelo mercado financeiro, a pretexto da estabilidade fiscal do país, mas às custas da redução do potencial equalizador do Fundeb, realocando recursos das complementações, principalmente do VAAT.

O Fundeb permanente ainda está em processo de implantação. A EC nº 108/2020 prevê uma revisão do Fundeb para 2026, o que precisará ser realizado com base em avaliações amplas do atendimento educacional, tendo em conta os fundamentos do Fundeb, os quais, reiteramos, são: seu caráter redistributivo, a contribuição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino e à valorização dos profissionais da educação.

A Fineduca entende que a mudança precipitada, intempestiva e oportunista de política extensamente debatida e acordada e em processo de consolidação é, no mínimo, irresponsável frente aos imperativos das responsabilidades republicanas para com o direito à educação e o financiamento público da educação. Não se pode admitir que o governo Lula, que se elegeu com a promessa de resgatar os compromissos sociais negados pela gestão anterior, faça gentileza com recursos que são, na verdade, dos estados e municípios. Se pretende valorizar a educação em tempo integral, que o Executivo federal coloque recursos novos e substantivos, como determina o Plano Nacional de Educação em vigor.

São Paulo, 10 de dezembro de 2024

Apoiam esta manifestação

CNDE – CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO

ABECS – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ABdC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CURRÍCULO

ABPEE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL (ABPEE)

ABRAPEC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

ABRUC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR AÇÃO EDUCATIVA

ANEC – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL

ANUP – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS UNIVERSIDADES PARTICULARES

ANPAE – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO

ANPED – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO

ANPOF – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

CCLF – CENTRO DE CULTURA LUIZ FREIRE

CEDECA CEARÁ – CENTRO DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO CEARÁ

CEDES – CENTRO DE ESTUDOS EDUCAÇÃO & SOCIEDADE

CONTEE – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO

FORPIBID-RP – FÓRUM NACIONAL DE COORDENADORES INSTITUCIONAIS DOS PROGRAMAS PIBID E RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA

FORUMDIR – FÓRUM NACIONAL DE DIRETORES DE FACULDADES, CENTRO DE EDUCAÇÃO OU EQUIVALENTES DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS

FORUM EJA BRASIL – FÓRUNS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO BRASIL

PROIFES – FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE PROFESSORES E PROFESSORAS

SBEnBIO – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DE BIOLOGI

SBeM – SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

UBM – UNIÃO BRASILEIRA DE MULHERES

[1] Manifestação elaborada pela Diretoria da Fineduca: Adriana Dragone Silveira, Cacilda Cavalcanti, José Marcelino de Rezende Pinto, Márcia Jacomini, Nalú Farenzena, Nelson Cardoso Amaral, Rubens Barbosa de Camargo, Theresa Adrião, Thiago Alves.