A Política de Educação Infantil no Brasil: das garantias legais ao financiamento do atendimento público

NOTA TÉCNICA

Nota Técnica elaborada pela Fineduca[1] para o Movimento Inter fóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE) no âmbito do Projeto Atenção e Educação na Primeira Infância na América Latina e o Caribe (Proyecto Atención y Educación en la Primera Infancia en América Latina y el Caribe), coordenado pela CLADE

Resumo executivo

  • A Educação Infantil, em termos de declaração e de especificação do seu direito, apresenta enorme avanço desde a Constituição Federal de 1988: direito fundamental da criança, dever do Estado, gratuidade, primeira etapa da Educação Básica, creche e pré-escola como parte do sistema educacional e compulsoriedade da matrícula dos 4-5 anos pela EC nº 59 de 2009.
  • O status da Educação Infantil como um direito impõe ao Estado uma obrigação e a insere no espaço de disputa por mais recursos para garantir a ampliação do seu atendimento em condições de qualidade.
  • Na disputa de ampliação de fontes de financiamento, a Educação Infantil passou a integrar o Fundeb em 2007, a ser beneficiada com recursos do salário-educação (EC nº 53/2006) e a ser priorizada na distribuição dos recursos da União no novo Fundeb (2021), com destinação de 50% do valor de complementação da União pelo VAAT.
  • O descompasso entre fatores de ponderação e custos da Educação Infantil no Fundeb (2007-2020), principalmente para creche em tempo integral, precisa ser superado no novo Fundeb, com o respaldo em estudos técnicos e transparência nas decisões da Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade.
  • Mesmo com os avanços legais, a ampliação do acesso à Educação Infantil ainda é um desafio para o Estado brasileiro. Na pré-escola, a compulsoriedade da matrícula favoreceu o aumento da participação municipal na oferta desse segmento e a ampliação da cobertura. As matrículas em creche cresceram nas últimas duas décadas, mas com profundas desigualdades entre as unidades federativas.
  • Apesar do crescimento no número de matrículas, tanto em creche como em pré-escola, a taxa de atendimento para 0-3 anos demonstra o enorme desafio para atender a meta do PNE, de 50% da população, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e para as crianças mais pobres, negras e que residem no campo. A taxa de atendimento da população de 4-5 anos demonstra que estamos próximos à universalização, mas com crianças ainda fora do período obrigatório, sobretudo com forte defasagem entre os 20% mais pobres e habitantes da área rural.
  • Quando se compara o crescimento das matrículas de 2008 a 2019 nas creches, percebe-se um crescimento maior nas matrículas municipais em relação à oferta privada conveniada. As instituições conveniadas e não conveniadas com o poder público têm crescimento na esfera nacional, mas houve redução da oferta na maioria dos estados. Na pré-escola, a redução das matrículas nas instituições conveniadas com o poder público é expressiva no período de 2008 a 2019, com exceção do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul.
  • A privatização do atendimento da Educação Infantil, apesar do seu histórico anterior, tem um novo reforço com a inserção das creches e pré-escolas privadas, sem fins lucrativos, conveniadas com prefeituras, no âmbito do Fundeb, sem tempo definido para a creche, e com a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), pois muitos municípios buscaram alternativas que não implicassem em gastos com folha de pagamento. Todavia, essa estratégia não é homogênea no País. O aumento na oferta de vagas em instituições privadas se concentra em alguns contextos, principalmente municípios considerados grandes ou muito grandes.
  • A análise da oferta em tempo integral mostra que, no período de 2008 a 2019, as matrículas em creche em tempo integral vêm sofrendo redução em termos percentuais, recuando para cerca de 56% do atendimento total. Na pré-escola, o percentual se manteve entre 9 e 10%, permanecendo muito aquém das necessidades das famílias trabalhadoras. O baixo atendimento em tempo integral está relacionado ao custo dessa oferta, que necessita de mais profissionais devido a uma menor relação adulto-criança e ao baixo valor repassado pelo Fundeb.
  • A questão do financiamento tem um peso mais significativo na Educação Infantil, pois a maior parcela do gasto por aluno se relaciona diretamente com os salários dos trabalhadores da educação e com a jornada letiva diária das crianças-estudantes e, inversamente, com o número de crianças-estudantes por turma e com o número de matrículas da escola (economia de escala).
  • Os dados reforçam a constatação da baixa remuneração dos professores em geral, quando comparados, por exemplo, com outros profissionais com nível superior, e dos professores da Educação Infantil, frente a seus colegas de outras etapas.
  • Analisando o conjunto dos dados de gasto por aluno do Siope, com municípios de diferentes regiões, riqueza e perfis de atendimento, constata-se que o gasto/aluno contabilizado como Ensino Fundamental é superior ao seu equivalente em creche e pré-escola, o que, obviamente, choca-se com a literatura de custos e com os estudos de caso, necessitando melhoria das informações contábeis de gastos.
  • A estimativa de gastos com Educação Infantil dos municípios, tendo por base o recurso disponível por aluno na Educação Básica por UF, indica um valor próximo a R$ 48 bilhões, cerca de 0,7% do PIB nacional, ou 13% do gasto público total, estimado em 5% do PIB pelo INEP.
  • Para o cumprimento das metas do PNE, a saber, 50% na faixa de 0 a 3 anos, e 100% na faixa de 4 e 5 anos, no padrão atual de financiamento, os valores calculados indicam um impacto global da ordem de R$ 10,2 bilhões, que correspondem a 0,14% do PIB, ou 6,2% da RPEb (Receita Potencial mínima vinculada à Educação Básica) dos município, um número absolutamente razoável.
  • Para atingir parâmetros mínimos de qualidade, como determina o § 1º do art. 211 da CF e PNE, considerando as demandas de expansão na Educação Infantil, separadas entre o campo e a cidade, e referenciadas nos valores do padrão CAQ indicados pelo SimCAQ, a garantia de, pelo menos, 70% de atendimento em tempo integral nas creches e 30% nas pré-escolas, na perspectiva de ampliar os índices atuais, os cálculos deste estudo estimam uma demanda global de quase R$ 107 bilhões, o equivalente a 1,47% do PIB, um índice 2,2 vezes maior do que a estimativa de gasto atual. Não é, com efeito, um valor irrelevante, mas, quando se considera a meta de atingir um gasto público em educação pública que corresponda a 10% do PIB, como definida no PNE, esta estimativa de ampliação com qualidade corresponde a menos de 15% desse total, ou seja, uma participação totalmente condizente com a presença da Educação Infantil nas matrículas, agora ampliada, e com sua importância estratégica para o País e para a efetivação dos direitos sociais das crianças de 0 a 5 anos.
  • No período entre 2014 e 2020 houve uma redução dos recursos orçamentários federais, na contramão das exigências constitucionais-legais, para a Educação Infantil e a Educação Básica em geral. Os programas de assistência financeira da União, exclusivos à Educação Infantil, sofreram uma contração marcante de recursos em 2020, comparado a 2014.
  • O texto contempla, na última seção, recomendações para o financiamento da educação infantil, mudanças no âmbito legal e de políticas e práticas político-administrativas.

▶️ Leia na íntegra: 20210611_NT_Fineduca_EI.pdf

[1] Estudo elaborado pelos seguintes associados da Fineduca: Adriana Dragone Silveira (UFPR), Bianca Cristina Correa (USP), José Marcelino de Rezende Pinto (USP), Marcos Edgar Bassi (UFSC), Nalú Farenzena (UFRGS) e Thiago Alves (UFG).